sexta-feira, 30 de julho de 2010

PRAÇA DE PEDRA



Pois ali agora era o seu local de ficar.
O olhar se perdia duro e seco vasculhando as coisas ao redor, entrelaçava os dedos com força como se algo a afligisse muito e danadamente.
Quase não sorria. Era aparentemente calma.
Respirava fazendo certo esforço, e seu peito gordo subia e descia levantando o tecido ordinário da blusa. O olhar, duro e seco, era também de alguém que estava habituada ao sofrimento. Pois quem vive sofre, mas vive.

Sentava-se no banco de madeira e deixava-se divagar. Parecia que sofria junto com as flores que tombavam para o lago de água esverdeada ou mesmo com os pássaros que caiam mortos dos galhos das árvores. Se o tempo anunciava chuva, seu rosto redondo e negro se comprimia em choro eminente e preciso.
Sua dor também se intensificava quando as empregadas passeando com as crianças nos carrinhos de bebês, tiravam-nas chorando envoltas em tecidos cheirando a alfazema. Aquele choro agudo e dolorido fazia-a chorar também. Então ela baixava a cabeça e as lágrimas grossas e salgadas lhe banhavam o rosto negro e dolorido.

 Ela sentia a dor do mundo. Era assim desde criança. Emocional e triste – triste e solitária.
Ali na praça – Praça de Pedra como se conhecia, ali ela se sentia Ela. Inteira, mas tão exposta, meu Deus! Na praça, em plena cinco horas da tarde seria impossível não se expor.

Chegava calma e silenciosa, sentava-se sempre no mesmo banco de madeira envernizada. Punha de lado a bolsa de napa branca. Fechava sobre o colo as mãos de dedos roliços. Respirava fundo e olhava tudo ao redor. Uma vez, sim, uma vez parece ter visto um esquilo, e toda ela se alvoroçou de contente.
- Eu vi o esquilo, disse levantando-se ligeira e alegre, mas a visão foi momentânea e logo acabou. Um homem que passava levando pela coleira um cachorro lançou-lhe um severo olhar. Ela se aquietou e nunca mais tentou demonstrar seus sentimentos.

- As pessoas não gostam de..., disse para si, entristecida.
Aos poucos, desde que começara a visitar a praça no final do dia, passara a descobrir-se um pouco de cada vez. Morava só. Trabalha desde as oito, e parava às cinco. Como ficava perto de seu trabalho a praça, resolvera demorar-se ali um pouco para adiar a hora de chegar em casa.
Não entendia porque Praça de pedra. Pouquíssimas pedras haviam ali. E como ela adorava tudo aquilo! Ali sua alma se abria e seu espírito se desnudava. 

Havia ali uma fonte e pequeno lago. Árvores inteiras, altas e verdes circundavam toda aquela extensão. Bancos de madeira envernizada perfilavam ao redor. No pequeno lago gansos de pescoços longos e brancos nadavam tranqüilos, patos aceleravam as asas espargindo ao redor a água esverdeada.
Os pombos! Oh sim, os pombos! Como poderia ser uma praça sem eles? Triste e vazia. Não conseguia imaginar uma praça que fosse sem a presença desses seres comedidos e circunspectos. Embora sérios, eram eles que constituíam a vida de uma praça.
As flores!
Oh, o encanto das coloridas flores!
Ela passara a amar tudo aquilo. Chorava emocionada com a palpitação vibrante da natureza ao seu redor. Foi ali que percebera que era uma amante da cor verde. Pois desde pequena habituara-se a usar o cor-de-rosa. Sua mãe a vestia sempre com essa cor por ver nisso um tom bem feminino e alegre. Mas ali, rodeada pela grama, cactos, girassóis e palmeiras, descobrira-se uma amante do verde. O verde parecia ser uma cor muito objetiva e despretensiosa. Ela pensava assim.

Sentada, com os dedos entrelaçados e tesos, ela ensaiava intermináveis conversas com os colegas de trabalho. Pois era pessoa de pouco falar quando em grupo. Mas ali sua imaginação corria solta, livre e inteligente.

- Deseja uma xícara de chá senhor Wister? Dizia para si e soltava leve sorriso de canto de boca.
- Oh Mrs. Cloone prove só mais esta torrada, está louca de tão boa. E sorria outra vez para si. Adorava exageros nas frases.

E prosseguia arrumando uma gaveta aqui, batia um documento à máquina, despachava documentos importantes, punha a mesa do refeitório. Trazia um mimo para a Sra. Miranda, uma maçã para Wister – ah, o sorriso de Wister. Um encanto, um desespero. Os dentes de uma alvura exuberante. Os lábios sensualíssimos. E o olhar penetrante e inquiridor.

Imaginava situações onde se encontravam às escondidas. Um toque de mãos aqui, um leve roçar de lábios. E quem sabe, um contato mais íntimo entre os dois?
Ah! O ambiente da praça deixava-a tão solta. Liberta! Liberdade era coisa urgente. Quente e boa. Perigosa? – talvez, talvez... mas tudo é tão...

Tirava da bolsa um chocolate – aí estava seu fraco, chocolate!
Abria primeiro pequeno pedaço da embalagem, mordiscava aos poucos, deixava o chocolate ir-se derretendo com o contato de sua saliva quente, depois lambia com prazer desesperador, como se mesmo aquele fosse o último pedaço de chocolate do mundo.

Carregava também na bolsa um livro. Um romancinho. Esses a encantavam. Histórias de amor lhe embeveciam o espírito. Lhe aguçavam os sentidos. Lia uma ou duas páginas, mas sempre erguendo os olhos para observar em volta.

E então foi que viu, sim, viu. O homem vinha caminhando no seu andar manso e pesado. Os óculos escuros não lhe deixavam ver os olhos. Vestia grossa jaqueta e calça de moletom. Os lábios curvos e amarelados, respirava com cansaço e pausadamente. Os movimentos de seu rosto demonstravam raiva. Uma raiva seca e emergente.
Ela compenetrou-se no banco e puxou para perto de si a bolsa. Com a mão esquerda foi deslizando o resto do chocolate para o bolso do vestido. Ficou muito ereta e quase imóvel. E assustada percebera que o homem vinha em sua direção. Era quase noite completa, não sabia porque se demorara mais ali do que de costume.

As corujas já piavam. Os grilos cricrilavam e os vaga-lumes acendiam e apagavam frenéticos.
- Será o que Deus quiser, pensou.

Sentiu o leve contato do braço do homem roçar o seu. Eriçou-se, empertigou-se.
Num gesto brusco o estranho abaixou-se para amarrar os cadarços. Levantou aflitivo a cabeça e sua face estava mais branca e pálida. A mulher ensaiou um boa noite, mas emudeceu covarde.
O homem quedou-se estático. Observava a lua que aos poucos ia surgindo. Na praça agora só haviam eles dois. Um ao lado do outro. Mudos. Covardes. Ela outra vez ensaiou dizer ‘como vai, é daqui mesmo da cidade?’ – mas estancou nervosa. Um primeiro contato é difícil entre pessoas.

O homem puxou do bolso um cigarro. A brasa do fósforo brilhou vermelha e viva. Atirou longe o palito. O cheiro invadiu-lhe as narinas, ela tinha alergia. Mas nada falou ao homem, tímida que era. Mesmo de esguela, percebera um ar de cansaço no homem, e vez em quando soltava leves gemidos. Estaria sentindo algo?
O cigarro acabara.

O homem olhou para os próprios pés. Levou à costa a mão direita, ligeiro enfiou-a no bolso da jaqueta. Levantou-se e foi-se.
A leve claridade da lua, ajudada pela luz fronteiriça de um poste a fez perceber uma mancha de sangue nas costas do homem. Sim, uma mancha que deixava ainda ver um fio intenso escorrer-lhe vivo até as nádegas, manchando-lhe o cós da calça.

Ela levou à boca a mão espalmada para conter o grito pânico!
Abandonando mesmo a bolsa, correu aflita na direção oposta.
Sua paz e seu lugar tranqüilo lhe foram tirados. Tirados por um estranho com uma mancha de sangue nas costas.

Agora voltava cedo para casa e ficava da janela suspirando. Lembrando-se dos pássaros, das flores, da grama e gansos.
- A vida nos rouba as coisas mais simples, disse cerrando as janelas para ir-se deitar.
Eram sete da noite, ainda...


 04 de março, 2009.



2 comentários:

Siguilita disse...

olá...
respondendo sua pergunta:
é alemão
:)
bj

Suzy Carvalho disse...

aah q texto legal :D

no começo achei q seria um poema ahuahua mas vendo o tamanho, sei q nao eh =D